07 de Junho, 2018
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Guia rápido sobre Giardíase em cães
A Giardíase é uma das principais doenças intestinais que afetam os animais domésticos. É causada pelo protozoário Giardia spp.
O QUE É
A Giardíase é uma das principais doenças intestinais que afetam os animais domésticos. É causada pelo protozoário Giardia spp. e possui grande importância por ser considerada uma zoonose (doença transmitida dos animais ao homem) pela Organização Mundial de Saúde.
A principal espécie que acomete os animais domésticos é a Giardia duodenalis (sinônimo de G. intestinalis e G. lamblia) e tem transmissão pela rota fecal-oral, através da ingestão de cistos eliminados pelas fezes de outros cães portadores. São protozoários de pouca especificidade em hospedeiros, podendo parasitar humanos, cães, gatos e experimentalmente, outras espécies de mamíferos. Os cistos infectivos sobrevivem por mais tempo em ambientes úmidos ou na água. Existem diversos relatos da presença de cistos de Giardia sp. em hortaliças para o consumo humano, contaminadas durante a irrigação com água contaminada.
A presença do protozoário é um achado recorrente nos exames de rotina nos consultórios veterinários. Após a infecção, o animal pode desenvolver a doença e manifestar sintomas que variam de moderados a severos. Dessa forma, ter conhecimento sobre essa patologia e incluir a sua pesquisa nos exames de triagem é fundamental para prevenir possíveis complicações, e garantir o bem-estar dos nossos pacientes e de seus proprietários.
ETIOLOGIA E PREVALÊNCIA
Por ser considerada uma doença emergente, foram feitos diversos estudos sobre a prevalência da Giardíase em cães no Brasil. A maioria dos casos está associada a populações de cães jovens ou que vivem aglomerados em canis ou abrigos, onde há uma maior dificuldade no controle da higienização ambiental. Também se considera que, o hábito da coprofagia, comum entre alguns cães jovens, se torna uma via importante para a autoinfecção, amplificação e disseminação do parasita. A prevalência da giardíase felina é menor, ocorrendo mais em gatos errantes.
Também é importante destacar a maior incidência em crianças, que por estarem mais tempo em contato com o chão e com os animais, apresentam uma maior probabilidade de contaminação.
A prevalência nos cães pode ser considerada alta. Segundo um estudo feito por Carvalho, et al. (2010) foi encontrada a prevalência de 22,2% em cães domiciliados na Zona Oeste da região metropolitana da cidade de São Paulo.
Já em Porto Alegre-RS, foi feito um estudo por Silva (2010) com 454 amostras de fezes de animais com ou sem proprietários, que registrou a presença de cistos da Giárdia em 18,5% das amostras. Neste estudo, as colheitas de material foram realizadas em animais sem sintomatologia e antes de ingressar em ambientes coletivos, que favorecem a transmissão da infecção pelo contato estreito entre diferentes animais com distintas procedências e estados sanitários. Essa coleta antes da formação de grandes grupos evitou resultados não confiáveis – pois um animal positivo poderia contaminar todo o canil, gerando uma taxa de prevalência artificialmente alta.
Mota et al. (2014) em Ituiutaba – MG testaram 80 amostras de cães, sendo filhotes, adultos, animais do canil do Centro de Controle de Zoonoses e também cães comercializados em pet shops. O resultado foi positivo para Giárdia em 34 amostras, o que representa 42,5% dos animais avaliados. Animais residentes em canis apresentam geralmente uma maior prevalência de giardíase em comparação a cães criados em residências. QUANTO? Dessas 34 amostras positivas, 51% (26) eram de animais do CCZ e 27,6% (8) eram dos pet shops.
Vale ressaltar que a eliminação de cistos nas fezes tem caráter intermitente, sendo que o maior número de colheitas aumenta a possibilidade de identificar indivíduos parasitados. Por isso, alguns estudos podem ter demonstrado taxas de infecção menores do que a taxa real.
PATOGÊNESE
O ciclo biológico da Giardia spp. acontece de forma direta, sem a necessidade de um hospedeiro ou de um vetor. Tem início após a ingestão de cistos (forma infectante e inativa do protozoário) através do consumo de água e alimentos contaminados, e possui dois estágios distintos.
No primeiro estágio, os cistos chegam no intestino delgado e permanecem incubados por aproximadamente dez dias, quando por ação das enzimas pancreáticas se rompem e liberam o segundo estágio – os trofozoítos, que são o estágio ativo do protozoário. Em seguida, essas formas livres se fixam no epitélio intestinal e dão início a reprodução, que acontece de forma assexuada por meio da divisão de uma célula em duas. Em condições apropriadas, os trofozoítos são novamente transformados em cistos, que se misturam com as fezes no intestino grosso, e são eliminados para o ambiente, dando continuidade ao ciclo reprodutivo.
A eliminação dos protozoários pode acontecer nas duas formas e ambas podem ser infectantes. A mais frequente é na forma de cistos, que ocorre quando ao animal ainda está saudável. Entretanto, quando há alguma disfunção intestinal, como no caso de diarreia, há a liberação dos trofozoítos. Estes possuem menor infectividade por serem menos resistente no meio ambiente.
SINAIS CLÍNICOS
Na maioria das vezes, as giardíases em cães e gatos são assintomáticas. Em animais jovens ou imunossuprimidos ocorre diarreia disenteriforme, comprometimento da digestão, da absorção de alimentos com consequente perda de peso e crescimento prejudicado, além da desidratação que pode acarretar em morte se não for tratado adequadamente. Geralmente, animais com giardíase podem apresentar também co-infecções com outros agentes infecciosos, o que agrava os sinais clínicos apresentados.
Normalmente, as fezes de cães e gatos parasitados por Giárdia são amareladas ou acinzentadas, fétidas, com presença ou não de sangue, de consistência variando de pastosa a líquida e também, com presença de muco. Um achado frequente é a esteatorréia, indicando que a gordura não foi emulsificada ou não pode ser absorvida no intestino delgado.
Todos esses sinais estão relacionados de forma direta ou indireta com a agressão ao epitélio intestinal causada pelos trofozoítos na sua fixação e na sua alimentação.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
A presença de cistos de G. duodenalis em amostras de fezes sem alterações ou de animais sem sintomatologia é um achado comum. Cães infectados podem apresentar diarreia cinco dias após a exposição ao protozoário, entretanto, os cistos são eliminados nas fezes somente uma a duas semanas depois. Em gatos, a infecção é mais anterior, sendo o duodeno e jejuno mais acometidos, levando à diarreia persistente resultante da má absorção. As fezes dos gatos apresentam-se com bastante muco, pálidas e com odor forte.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Devido á sintomatologia da giardíase ser inespecífica, deve-se fazer o diagnóstico diferencial para outras enfermidades infecciosas gastrintestinais, alergias alimentares, síndromes da má-absorção e gastrenterites induzidas por fármacos. O diagnóstico laboratorial definitivo ocorre pela detecção de cistos e/ou trofozoítos nas fezes dos pacientes, pelo método de Faust.
Em amostras fecais mais consistentes, os cistos são a forma infectante mais presente no exame, enquanto que em fezes líquidas e pastosas, geralmente os trofozoítos são encontrados. Por serem mais sensíveis às condições ambientais, as fezes líquidas devem ser examinadas em até 30 minutos pós colheita.
Devido à eliminação intermitente de cistos, recomendam-se coletas seriadas em três dias consecutivos ou três dias intercalados. Além disso, pacientes que estejam recebendo antibióticos, antiácidos ou preparados para enema poderão ter exames falso-negativos, pois estas substâncias podem causar alterações morfológicas ou o desaparecimento dos cistos e trofozoítos nas fezes.
Existem no mercado também, testes imunocromatográficos rápidos para detectar antígenos da Giárdia nas fezes de animais parasitados.
Outro método é o teste de ELISA. Este teste busca identificar antígenos específicos que são produzidos pela multiplicação intestinal do patógeno nas fezes do animal, mesmo se o animal não estiver eliminando o agente no momento do exame. Portanto, é considerado o um método sensível para a pesquisa da Giárdia.
O PCR é outra técnica que permite o diagnóstico. É feito através de uma análise biomolecular que permite detecção e replicação de fragmentos do material genético do agente. Este procedimento é considerado preciso por ser de alta especificidade e bom por dar um resultado definitivo.
Para garantir a precisão do diagnóstico e posteriormente no tratamento, é indicado a utilização de mais de uma metodologia, de modo que possam se completar nos fatores de sensibilidade e especificidade.
PREVENÇÃO
A prevenção da giardíase é essencial para manter a saúde dos animais e das pessoas que convivem junto a eles. A principal forma de prevenir é através da higienização adequada, tanto do ambiente, quanto dos animais infectados, uma vez que os cistos permanecem viáveis no ambiente e na pelagem dos animais por semanas.
Dessa forma, é indicado o uso de desinfetantes nas instalações, realizar banhos com sabão neutro e limpeza da região perineal com solução diluída de hipoclorito de sódio, lavar as mãos com frequência (especialmente após contato com o animal ou após realizar a limpeza das instalações), lavar as vasilhas de comida e água rotineiramente, oferecer água filtrada, realizar a vermifugação conforme orientação do médico veterinário e manter os animais longe de possíveis fontes de infecção. Além disso, também é possível a administração de vacina específica, que pode auxiliar na prevenção.
A suplementação prévia com probióticos em animais que vivem em situações de risco, como filhotes, é uma alternativa terapêutica, pois estes atuam na manutenção da flora intestinal normal e reduzem a taxa de infecção e excreção de cistos nas fezes.
TRATAMENTO
O objetivo do tratamento é a eliminação dos sinais clínicos, da infecção e interromper a eliminação de cistos. Existem várias drogas eficazes em combater o agente, entre elas, o metronidazol (com excessão de fêmeas prenhes devido ao potencial teratogênico da droga), tinidazol, fembendazol, albendazol, furazolidona e a nitazoxamida. A sulfadiazina pode ser utilizada associada ao metronidazol como forma de controlar outros patógenos, como bactérias oportunistas e outros protozoários que possam estar envolvidos no quadro clínico do animal.
PRODUTO DISPONÍVEL PARA AJUDAR NA PREVENÇÃO
A Syntec do Brasil disponibiliza um desinfetante para ajudar no controle ambiental da doença.
GLIOCIDE: Desinfetante composto com alto poder germicida, Gliocide é um produto à base de Cloreto de benzalcônio (Quaternário de amônio) e Glioxal.
Quaternário de amônio (cloreto de benzalcônio): desinfetante de baixa toxicidade, muito utilizado para superfícies em clínicas e hospitais veterinários. Eficaz contra fungos, vírus envelopados e bactérias. Não é irritante para pele.
Glioxal: é considerado um desinfetante de alto nível, apresenta propriedades desinfetantes similares ao glutaraldeído. Seu espectro de ação abrange vírus (inclusive não envelopados), fungos e bactérias gram-positivas e gram-negativas. Apresenta atividade contra esporos bacterianos.
Os aldeídos, entre eles, Glioxal, tem sua eficácia aumentada quando são associados com ativos catiônicos, como o quaternário de amônio. Se você é Médico Veterinário, adote a limpeza com estes produtos de forma regular e preventiva em sua clínica ou hospital, e não esqueça de recomendar o seu uso, especialmente para criadores.
Se você é proprietário e notar alguns dos sintomas descritos aqui, lembre-se de relatá-los ao seu veterinário de confiança e discuta a necessidade da pesquisa de giárdia.
PRODUTO DISPONÍVEL PARA ASSOCIAÇÕES
DIAZIPRIM: antibiótico à base de Sulfadiazina + Trimetoprima, é uma associação terapêutica para uso oral, indicado no tratamento de infecções bacterianas nos caninos e felinos e, especialmente, em filhotes e animais de raças pequenas. A administração de Diaziprim é de uma vez ao dia, ou conforme orientação do médico veterinário.
Referências:
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SIEBERT, J., HARKE, HP. Disinfectants. Ullmann’s Encyclopedia Industrial Chemistry, 2009.
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